"O mínimo design possível": conheça o trabalho de Dieter Rams para a Braun

Alice Rawsthorn

  • Florian Böhm

    Estúdio instalado na residência Kronberg House, perto de Frankfurt, na Alemanha, do arquiteto<br> e designer da Braun, Dieter Rams, em 1971

    Estúdio instalado na residência Kronberg House, perto de Frankfurt, na Alemanha, do arquiteto
    e designer da Braun, Dieter Rams, em 1971

LONDRES - Começou com uma aposta. Dieter Rams, de 23 anos, trabalhava como estagiário em um escritório de arquitetura de Frankfurt quando um colega viu em um jornal local o anúncio de uma vaga de arquiteto numa empresa sobre a qual eles não conheciam nada. O colega desafiou Rams a se candidatar ao emprego para ver qual dos dois seria escolhido.

Rams, agora com 79 anos, ganhou e levou o emprego. Seu novo empregador era a Braun, uma indústria de aparelhos elétricos, e ele trabalhou ali como designer de 1955 a 1995. Os rádios, barbeadores, centrífugas, relógios, toca-discos e outros produtos que ele criou para a Braun são maravilhas do design industrial: bonitos, discretos e simples de usar. Entre seus admiradores está o artista inglês Richard Hamilton, segundo quem, “seus produtos de consumo de massa vieram para ocupar um lugar em meu coração e na minha consciência do mesmo modo que o Monte Saint-Victoire fez com Cézanne.” 

  • Braun

    Imagens promocionais do rádio e gravador TP 1 projetado por Dieter Rams para a Braun em 1959

Um novo livro, "Dieter Rams: As Little Design as Possible" ("Dieter Rams: O Mínimo Design Possível", em uma tradução livre), da editora Phaidon, feito pela historiadora do design britânico Sophie Lovell traça a evolução de Rams como designer. A obra é sequência a outro livro publicado dois anos atrás, "Less and More: The Design Ethos of Dieter Rams" ("Menos e Mais: O Etos do Design de Dieter Rams", da editora Gestalten), editado por Keiko Ueki-Polet e Klaus Kemp. O livro da dupla, maior e mais erudito, inclui excelentes análises sobre a contribuição de Rams para a cultura do consumidor e seu papel na história do design industrial.

O livro de Lovell brilha ao traçar um quadro realista do processo do design. Livros como este sempre retratam os designers como heróis onipotentes, mas o dela enfatiza a complexa rede de relacionamentos na qual eles devem navegar entre a própria equipe de design e com outras áreas da empresa. Há também descrições fascinantes dos detalhes microscópicos a que devem ser devotados para criar produtos tão perfeitos quanto os de Rams para a Braun. Qualquer um que ler o livro provavelmente nunca mais vai olhar para o botão de liga/desliga, para as arestas e para os cantos do mesmo jeito.

A Apple do momento

A maneira mais fácil de descrever o impacto de Rams no design é dizendo que ele transformou a Braun na Apple -em outras palavras, a marca do momento- de sua época. E pode-se dizer que os designers da Apple considerariam tal afirmação um elogio. Eles não só criaram o teclado digital da calculadora do iPhone em homenagem a Rams (é uma réplica da calculadora ET44, de 1977, que ele desenvolveu para a Braun, com seu colega Dietrich Lubs), como Jonathan Ive, diretor de design industrial da Apple, escreveu o prefácio de “As Little Design as Possible”.

Vale a pena comprar o livro só pela descrição que ele faz sobre o seu primeiro encontro com o trabalho de Rams: o espremedor MPZ 2 Citromatic, de 1972, que ficava na cozinha de seus pais. "Era, claramente, feito com os melhores materiais, perfeitamente ponderados e completamente apropriados. Logo no primeiro contato você sabia exatamente o que era aquilo, e como usar aquilo. Era a essência do material próprio para espremedores: um objeto estático que descrevia perfeitamente o processo pelo qual ele funcionava. Parecia completo, parecia certo."

  • Dieter Ram

    O designer Dieter Rams em seu escritório
    nas dependências da Braun, em 1975

Como Ive destaca, as conquistas de Rams são ainda maiores por terem sido pensadas sem as restrições da produção em massa. Ive considera Rams como alguém "completamente único no ato de produzir uma peça tão consistentemente bela, tão adequada e tão acessível."

Empresa progressista

É certo, entretanto, que ele não conseguiria ter realizado isso sem o apoio de seus colegas. Quando entrou na Braun, em 1955, Rams tinha toda a intenção de continuar a carreira na arquitetura, idealmente na área de planejamento urbano, mas a Braun era uma empresa notável. Comandada por dois irmãos, Artur e Erwin Braun, que haviam herdado a companhia do pai, era progressista e proporcionava generosas aposentadorias e plano de saúde gratuito para os empregados. Artur era um engenheiro talentoso e garantiu que a Braun estivesse na linha de frente dos avanços pós-guerra na área de eletrônicos, e Erwin tinha um interesse particular pelo design. Na época em que Rams chegou, ele havia firmado uma colaboração com a escola de design Ulm, dirigida pelo talentoso designer Hans Gugelot.

Rams começou na Braun trabalhando em projetos de arquitetura, mas logo se envolveu com design de produtos. Em um ano ele havia completado seu primeiro projeto solo, o projetor de slides PA1. Mesmo este trabalho inicial mostra sua atenção obsessiva com os detalhes, o que definiu todos os seus trabalhos e garantiu que cada produto parecesse conter "o mínimo design possível", como ele disse certa vez. Sophie Lovell escolheu estas palavras para o título de seu livro. 

Lovell descreve a minúcia do processo de design da Braun, como cada projeto progredia, dos esboços feitos a lápis em rolos de papel de rascunho a modelos com os quais os designers podiam verificar as posições do motor, das aberturas e dos botões de controle, aos desenhos técnicos que eles entregavam aos peritos.

Sem manuais de instrução

Graças às ações bem-sucedidas no campo da engenharia de Artur Braun, a empresa sempre desenvolvia as primeiras versões de alguns produtos específicos, e parte da função da equipe de designers era ajudar as pessoas a aprender como usá-los. "Nunca confiei em manuais de instrução", dizia Rams. "Todos sabemos que a maioria das pessoas não os leem". Ele insistia em afirmar que os sistemas operacionais dos produtos da Braun deviam ser tão simples e lógicos quanto possível. Botões, mostradores e interruptores eram dispostos em uma sequência ordenada. Códigos de cores eram usados como orientação: vermelho para "desligado", verde para "ligado", e assim por diante.

Rams era igualmente obstinado sobre como se podia sentir seus produtos. Arestas e cantos eram gentilmente arredondados, assim como os botões e alavancas. Os botões dos isqueiros de mesa da Braun eram moldados para encaixar nos dedos. Ele misturou plásticos duros e flexíveis no barbeador de 1985, Micron Vario 3, para que ele ficasse mais fácil de segurar.

Há muitas observações como estas no livrode Lovell. Outro ponto forte é sua análise sobre a sempre confusa política interna da equipe de design da Braun. Tome como exemplo a torradeira HT2, de 1963, que Hamilton replicou em uma obra de arte em 1967 chamada “Toaster”, geralmente vista como um tributo a Rams. Só que, segundo Lovell, outra pessoa desenvolveu aquele modelo em particular – seu colega de design na Braun, Reinhold Weiss.  

Tradutor: Érika Brandão

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