Utópica casa móvel é estrela de exposição de design na Holanda

Alice Rawsthorn

  • Fred Ernst / Museum Boijmans Van Beuningen

    O protótipo da casa móvel "Futuro" no museu Boijmans van Beuningen, em Roterdã, Holanda

    O protótipo da casa móvel "Futuro" no museu Boijmans van Beuningen, em Roterdã, Holanda

ROTERDÃ – Ele [o amigo] sabia exatamente o que queria. Uma casa móvel, para temporadas de esqui em lugares remotos, que fosse “durona” o bastante para sobreviver às temperaturas abaixo de zero e às nevascas em grandes altitudes. A casa tinha de ser rápida e fácil de montar – e desmontar – em neve funda ou em terrenos montanhosos e leve o bastante para ser levada de helicóptero. E, por fim, quanto mais barata fosse, melhor.

Estas foram as instruções dadas ao arquiteto finlandês Matti Suuronen, em 1964, por um amigo que amava esquiar em locais inóspitos. O Sr. Suuronen passou quatro anos tentando achar uma solução, a que chamou “Futuro”. “Futuro”, a “casa” feita de plástico leve, foi criada para a produção em massa e tinha a forma de um kit pré-fabricado que poderia ser montado onde seus ocupantes desejassem como uma base elipsoidal, uma forma geométrica complexa que lembra um disco voador dos gibis dos anos 60.

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O futuro no museu

Perto de 100 “Futuros” foram fabricadas no final dos anos 60 e no começo dos 70 e, hoje, estão espalhadas pelo mundo. O protótipo da casa móvel do Sr. Suuronen atualmente pode ser visto no Museu Boijmans Van Beuningen, em Roterdã, na exibição “Futuro: Construindo a Utopia”, que segue até dia 9 de outubro. Também na mostra estão objetos de outros designers que compartilhavam do desejo do arquiteto finlandês em criar a forma perfeita. 

A busca por tais modelos tem obcecado designers ao longo da história, como a exibição do Boijmans demonstra, de maneira fascinante, através da seleção de 100 objetos  que variam de vasos de vidro do século 14 e instrumentos de cálculo do século 15 - criados por artesãos anônimos – a trabalhos recentes que incluem uma cadeira desenhada por Konstantin Grcic e um vaso de Wieki Somers.

Algumas das peças exibidas, como o protótipo da “Futuro”, representam formas antigas. Outras estão agrupadas afim de ilustrar como determinados modelos dominavam o design em diferentes épocas, geralmente, refletindo mudanças culturais mais amplas ou o desenvolvimento de novos materiais e tecnologias de produção. 

Dos artesãos ao design industrial

As curvas bulbosas dos objetos feitos à mão, que são anteriores à Revolução Industrial, vêm seguidas pela geometria crua dos primeiros produtos manufaturados em massa. Conforme a produção pela indústria foi se tornando cada vez mais sofisticada ao longo do século 20, os designers puderam produzir formas esteticamente mais puras e estruturalmente mais complexas.  

A exibição mostra ainda como as graciosas curvas do mobiliário de madeira dos anos 30, de Alvar Aalto, foram sucedidas pelo estilo tecnocrata dos produtos de Charles e Ray Eames e Dieter Rams.

Então surgiram as silhuetas lisas e futuristas criadas por Verner Panton, Joe Colombo, Suuronen e outros, nos anos 60, a partir do recém-desenvolvido plástico. As peças mais recentes da exibição demonstram a influência das intrincadas imagens criadas a partir da tecnologia digital à medida que designers, como o Sr. Grcic, passaram a usar softwares de ponta para replicar suas formas em produtos do dia a dia.

O resultado oferece tanto um passeio com várias paradas pela história da forma no design, quanto uma oportunidade de ver alguns objetos intrigantes – em particular - as peças mais antigas e artesanais. Ainda assim, a estrela do show é o protótipo da “Futuro”, que está em exibição para o público pela primeira vez desde que foi adquirido e restaurado pelo Museu Boijmans.

A experimentação e os sonhos

O Sr. Suuronen não só utilizou a casa como meio de experimentação da forma, como também realizou seu sonho de criar um novo tipo de “lar”, que poderia ser imediatamente desmontado em partes facilmente transportáveis. Assim, quando os ocupantes quisessem ir para outro lugar, as peças seriam levadas de helicóptero ou caminhão e, então, montadas novamente. 

Ele não foi o único arquiteto ou designer nos anos 60 e 70 a ficar obcecado pela mobilidade.

O arquiteto holandês Constant devotou 15 anos ao design do New Babylon [Nova Babilônia], um labirinto de estruturas em constante mudança que poderia ser suspenso sobre uma cidade existente para criar uma sociedade paralela, onde os idealistas anticapitalismo poderiam desenvolver um novo estilo de vida, livre de convenções. Archigram, o grupo de arquitetura britânico, produziu uma série de conceitos visionários, como a Walking City [Cidade Ambulante], que poderia, literalmente, andar de um lugar a outro com suas pernas gigantes ou a Plug-In City [Cidade de Encaixes], projetada especificamente para permitir que seus ocupantes adicionassem ou subtraíssem diferentes unidades de acordo com a variação de suas necessidades.

A maioria desses projetos não passou de propostas, a maioria representada por desenhos ou livros, embora suas influências sejam evidentes em edifícios projetados por outros arquitetos notavelmente o Pompidou Centre de Paris, de Richard Roger e Renzo Piano. O Sr. Suuronen foi um dos poucos designers da época a realizar sua visão de vida em movimento. 

A casa móvel e utópica

Ele projetou a “Futuro” para comportar até oito pessoas em uma sala de estar central, dois quartos, um banheiro e uma cozinha. A “casa” tem 8m de diâmetro e 4m de altura. A parte exterior é composta por 16 peças de poliéster reforçado por fibra de vidro, um material novo e relativamente barato na época, preenchido com espuma de poliuretano. Empoleirada em longas pernas de metal, a estrutura parecia flutuar sobre o chão e, nela, pode-se entrar subindo alguns degraus e atravessando uma escotilha, como em um avião. Há 20 janelas, todas com o mesmo formato elipsoidal da estrutura externa. Ele escolheu esse modelo, uma versão tridimensional da curva fechada conhecida como elipse, porque acreditava que daria à “Futuro” a maior sensação possível de espaço interno.  

A concepção da “Futuro” deve tanto às demonstrações populistas de futurismo de sua época, como a House of the Future [Casa do Futuro] de Monsanto na Disneyland, Califórnia, que exibia “inovações emocionantes” como fornos de microondas, quanto aos conceitos avant-garde de Constant e Archigram. Mas é uma fascinante expressão da fé na tecnologia.

Metade das quase 100 “Futuros” produzidas foram fabricadas na Finlândia, o resto foi feito em outros países. O projeto fez tanto sucesso que o Sr. Suuronen recebeu a missão de desenvolver todo um leque de casas móveis. Mas o desastre se abateu sobre eles em 1973, durante a crise do petróleo, quando o preço do plástico subiu vertiginosamente. Os planos para as novas casas foi abandonado e a produção da “Futuro” parou. Muitas das “Futuros” originais sobreviveram, embora as curvas do amado elipsóide do Sr. Suuronen tenham se tornado imperfeitas ao longo dos anos.

Tradutor: Érika Brandão

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