Bebês

Os mitos que atrapalham a amamentação

Mamatraca

Mamatraca

  • Paola Saliby/UOL

    Não existe nenhum leite materno fraco; o que existem são fases do leite

    Não existe nenhum leite materno fraco; o que existem são fases do leite

As árvores de manga eram fartas e abundantes no Brasil Colonial. Já o leite era raro e caro. Naquela época, inventaram então que manga com leite dava congestão e levava à morte. Com o objetivo de dissuadir o consumo do leite por parte dos escravos, que se contentavam em comer somente as frutas. O leite ficava reservado aos senhores de engenho. Aqueles malandros.

Leite com manga não faz mal, mas, mesmo assim, o mito existe e tem muita gente que não saboreia a iguaria de jeito nenhum. Com amamentação não poderia ser diferente, muitos anos de cultura, interesses das empresas fabricantes de produtos alternativos, pitacos de desentendidos e falta de estudo sobre o tema nos trouxeram diversas afirmações mitológicas, que se perpetuam no imaginário materno-popular.

Com o agravante de que esses mitos podem tirar da mãe e do bebê a chance de viverem uma experiência indescritível. Felizmente, hoje, a ciência e as redes de apoio à amamentação podem desmitificar muitos deles com clareza. Se você quer amamentar, conheça-os:

O mito do leite fraco

Não existe leite materno fraco. Existem fases do leite. Aquele primeiro leite que o bebê mama é mais aguado e cheio de calorias, ideal para matar a sede. A gordura concentra-se no final do seio, o chamado leite posterior, e é ela que faz o bebê ganhar peso. O mito do leite fraco baseia-se na recomendação (que não tem fundamento científico nenhum) de que um bebê teria minutos determinados para mamar em um seio e depois no outro. Ingerindo sempre o leite inicial, de fato, o bebê consome menos gordura e, portanto, engorda menos.

Para acabar com esse mito, todos os órgãos especializados em amamentação sugerem que as mães interessadas em amamentar não adotem tempo específico de mamada, deixando o bebê sugar o leite que for necessário para sua saciedade. Com maior conhecimento das necessidades do bebê e maior confiança em seu mecanismo, deve-se ajustar as práticas às necessidades individuais.

Nesse momento, penso o quão engraçado seria se a gente propusesse para uma leoa recém-parida que ela oferecesse uma "tetinha" de cada vez por 15 minutos para cada leãozinho da ninhada. 

O mito do peito vazio

A dica mais libertadora quando se trata de quantidade de leite no seio é: peito é fábrica de leite e não depósito.

Boa parte do leite que o bebê consome é produzido na hora em que ele está mamando. Não há necessidade de estar com a sensação de peito cheio para que o bebê receba leite suficiente. Muitas mães sentem-se inseguras quando percebem que seus seios estão murchando. Logo acham que estão com pouco leite e existe sempre alguém para confirmar o mito de que ele um dia vai acabar.

A boa notícia é que o leite humano não acaba enquanto houver estímulo. Ou seja, se houver um bebê mamando, a mãe segue produzindo leite. A sensação de peito vazio pode acontecer por causa do ajuste na demanda, que nos primeiros meses de vida do bebê é maior e depois vai diminuindo. E também pode ser somente uma característica do mecanismo individual que é cada seio.

O mesmo vale para o tamanho do seio, seios grandes e pequenos produzem leite da mesma forma: por meio das glândulas mamárias. Não há nenhuma relação com seu tamanho. Acredite. Se há peito e bebê mamando, há leite. Nessa hora, penso naquela gorila no meio da África olhando desconfiada para o peito da gorila amiga que acabou de ter bebê. Será que ela tem leite?

O mito do bebê que dorme a noite inteira

Alguns bebês dormem a noite inteira desde pequenos, mas eles representam a minoria dos casos. Quando comparamos o tempo de sono de crianças alimentadas no seio com o tempo de sono daquelas que tomam fórmula, é comum concluir que as últimas parecem acordar menos vezes à noite. É o começo do fim.

Logo surgem as especulações de que o leite artificial sustenta mais do que o materno. A fórmula não sustenta mais e sim é de mais difícil digestão. Isso faz com que o bebê sinta-se saciado por mais tempo, mas não significa que esteja nutrido dos elementos fundamentais. Um bebê alimentado no seio tende a acordar mais vezes, pois o leite materno é de mais fácil digestão.

O leite artificial não substitui o materno. Ele não tem anticorpos, enzimas ou hormônios. A fórmula é projetada para fazer com que os bebês cresçam bem e tem suas quantidades de gordura, ferro e proteína dosadas, mas não traz os mesmos benefícios à saúde do leite da mãe.

Pensando de novo nas nossas amigas mamíferas, sorte delas que não precisam trabalhar de manhã. A nós, humanas, cabe rebolar para conciliar as demandas da amamentação e da vida prática. O bom é que nós, ao contrário delas, temos inteligência para dar conta disso.

O mito do dedo maldito

Você já ouviu falar que é melhor chupar chupeta do que o dedo?

Pois, quando o assunto é amamentação, essa dica está totalmente enganada. De acordo com todas as pesquisas, a chupeta pode atrapalhar o processo de amamentação, enquanto o dedo é uma estratégia primitiva que alguns bebês adotam para se acalmar naturalmente.

Vale lembrar que os bebês chupam os dedos desde o útero e que a tendência é que –se estiverem suprindo sua necessidade de sucção com o seio da mãe– não perpetuem o hábito.

As pesquisas indicam que, enquanto apenas 10% dos chupadores de dedo tendem a prolongar o hábito, mais de 80% das crianças que usam chupeta o fazem por mais tempo do que o recomendado e apresentam alguma dificuldade para deixá-la de vez. E de uma vez por todas: chupetas e mamadeiras atrapalham a amamentação.

Na próxima coluna, dando continuidade à série "Amamentação para Quem Tem Peito", a gente fala sobre os grandes vilões da amamentação.

Anne Rammi

Anne Rammi, artista plástica e mãe do Joaquim (3 anos) e do Tomás (1 ano). Experimentou com a chegada dos meninos a oportunidade de quebrar muitos paradigmas da maternidade contemporânea e relata suas experiências com fidelidade e uma peculiar (e muitas vezes polêmica) ironia. Escreve muito, fala muito, produz incessantemente, em especial sobre os temas do universo da maternidade crítica e consciente, como o parto humanizado, amamentação prolongada, criação por apego e em defesa de uma infância livre de consumismo, sendo personagem importante nos grupos ativistas da internet materna. Recentemente virou vegetariana e vive o dia a dia tentando adequar as ideologias às práticas, rumo a uma vida com foco na família, na sustentabilidade e na educação fora da escola. www.mamatraca.com.br

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