Como usar a "terapia do abraço" contra as birras
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Paola Saliby/UOL
É fundamental validar os sentimentos negativos das crianças, sem minimizá-los nem enfatizá-los
Fazia tempo que não acontecia um episódio de birra por aqui. Mas daquelas BIRRAS, assim, em letra maiúscula.
Tudo começou com uma reação descabida das minhas filhas à minha resposta negativa quando pediram para passar a noite na casa da vizinha amiga: uma fugiu correndo para dentro do apartamento e a outra começou a berrar no corredor do hall e se jogou no chão (sei que isso não acontece com vocês, mas peço que façam um esforço e imaginem essa cena, quase inédita na vida de quem é mãe).
Com a ajuda da minha vizinha, recolhi a mais velha, peguei a caçula no colo e seguimos para casa. Depois da viagem de alguns andares (e o prédio todo sabendo que tinha uma criança se esgoelando dentro do elevador), a primeira chegou bem emburrada, plantou-se no sofá e fechou a cara. A segunda, transtornada e chorando cada vez mais, começou a correr feito bicho dentro de casa, chegando a dar cabeçadas na parede e gritando que ia fugir.
Só que, nas horas de birra, não tem show se não tiver plateia. Percebendo que eu continuava imune, respondendo às suas provocações com um tom de voz muito baixo, ela se recusou a olhar nos meus olhos e chegou a me agredir quando me dirigi à irmã, que continuava imóvel.
Aqui não toleramos violência. E, quando minha caçula começou a dar tapas nas minhas costas, não senti raiva. Senti muita pena da menina, que não estava conseguindo dar vazão à frustração e à braveza dela. Nesse momento, uma calma de monge budista me invadiu. Parte por instinto, parte por já ter visto/lido muita coisa sobre situações extremas da maternidade.
Eu me lembrei de uma coisa que tinha lido no livro da psicóloga Natércia Tiba há uns dias, no qual ela contava de um paciente, um menino de seis anos considerado explosivo. "Que alívio saber que a raiva (ou tristeza, medo...) podem ser sentidos e o que nos diferencia é como lidamos com isso. Não somos maus por sentir. Para nós, adultos, pode parecer óbvio, mas, para as crianças, os sentimentos ruins podem gerar muita culpa."
Abracei Lia fortemente, coloquei no colo e a levei para o quarto. Sem muita conversa, apenas dizendo que eu estava com ela, não estava brava e que a gente ia se acalmar. Consegui retomar o contato visual e ela, ainda soluçando, me abraçou e pediu desculpas. Cinco minutos depois já estava brincando de novo.
E assim tem sido nos últimos tempos. Tenho lidado com birras e crises das meninas com a "terapia do abraço". Não é fácil. Muito pelo contrário: é um grande desafio, porém recompensador.
Entendo que é fundamental validar os sentimentos negativos delas (descontrole, raiva, frustração, tristeza, indignação), sem minimizá-los e, muito menos, enfatizá-los. Assim, elas se sentem a vontade para sentir, demonstrar e ter essa vivência nem sempre agradável, mas sempre sabendo que tem alguém ali para dar colo, carinho e abraço. Muitos abraços.
Priscilla Perlatti
Priscilla Perlatti trabalhou durante anos com turismo e depois que se tornou mãe da Stella (7 anos) e da Lia (5 anos) se assumiu designer. Já superou as preocupações com chupetas e desfralde (apesar que as birras ainda são bem comuns) e agora enfrentauma nova etapa com questões como dentes moles, alfabetização e o desapego na criação – esse último uma demanda das filhas já crescidas. Costuma dizer que hoje exerce uma maternidade reativa, pois os anos de experiência levaram embora a ansiedade em se antecipar às possíveis necessidades das crianças e trouxeram calma e serenidade para lidar com os infinitos desafios de ser mãe. Também gosta muito de falar de turismo e lazer com crianças. www.mamatraca.com.br