Gestação

O que ele tem, hein?

Mamatraca

Mamatraca

Do UOL, em São Paulo
  • Paola Saliby/UOL

    É dada a largada para a chuva de pitacos. É fome, é sono, é birra, é frio, é calor, é tédio, é peito?

    É dada a largada para a chuva de pitacos. É fome, é sono, é birra, é frio, é calor, é tédio, é peito?

Tem sempre alguém com uma ideia melhor do que a sua. Já repararam? Nem estamos falando daqueles momentos em que, por uma felicidade, você encontra alguém com uma superdica que te ajuda. Um conselho valioso, uma nova forma de encarar as coisas. Até porque, convenhamos, isso aí é coisa rara quando o assunto é criação de filhos.

O que nunca te contaram sobre ser mãe: tem sempre alguém de olho para avaliar se o que você está fazendo é legal ou não. Com direito a pitacos, manobras radicais e chuva de histórias nonsense. Acompanhem.

Parte 1: Nasce uma mãe, nasce um monte de "pitaqueira" em volta

Uma mãe de três filhos segura o caçula, um robusto bebê de nove meses no colo, naqueles momentos chatos do fim de tarde (começo da manhã, antes e depois do almoço, quando é dia ou quando é noite) que as crianças têm de vez em quando (entre o quando acordam e o quando vão dormir). Já sacaram né? Um bebê em seu momento chatinho.

Ele resmunga enquanto a mãe lhe segura a cabecinha e suavemente balança o corpinho gordo, fazendo o chorinho soar chacoalhado, na cadência do balanço. E segue tentando conversar com o resto da família, reunida por alguma ocasião. Passa uma tia.

– O que ele tem?

Parte 2: Muito ajuda quem não atrapalha

É dada a largada para a chuva de pitacos. É fome, é sono, é birra, é frio, é calor, é tédio, é peito? Você já deu o peito? Dá o peito para esse garoto. A mãe (experiente, lembrem-se bem) acata a última sugestão como forma de "cala-boca-sociedade". Não sabe ao certo se lhe irrita mais o choro ranheta do bebê insatisfeito ou as vozes da plateia cheias de desejo de ajudar e com nenhuma habilidade de ajudar de verdade. Diz uma sábia amiga, se estiver na minha casa e quiser me ajudar com meu bebê, vai lavar uma louça. Se estiver na sua casa e quiser me ajudar com meu bebê, espere que eu peça. O menino nega o peito. Segundo round.

É seu leite? É febre? Você tem leite? É dente? Ele tem dente? Não incomum, as pessoas ao redor incomodadas com o chororô de um bebê sentem-se sempre no direito de participar ativamente da solução dos problemas da mãe. E começa o momento apalpação.

Um nariz de tia na fralda para ver se está suja, uma mão gelada da outra tia voando por cima do ombro da mãe para checar a febre, uma outra checando as etiquetas da roupa da criança (vai que é isso, né? que está pinicando), jogam cobertor em cima, porque é frio. Arrancam blusinha na marra, porque é calor. Aparecem pululando na frente do bebê com os mais variados aparatos para distração infantil: chocalhinhos, brinquedinho, celular da mãe, pedaço de picanha. "Deusolivre" tiver uma chupeta por perto. Mesmo que o bebê não chupe, pitaqueiros atingem um estágio em que dariam a alma para fazer o bebê parar de chorar. A mãe se recompõe da surra de investidas, dá uns passos para trás, segue no seu balanço, com beijinhos na careca do pequeno, e se resigna ao inevitável: bebês choram.

– Mas o que ele tem, hein?

Parte 3: A comadre da minha vizinha

Claro está que um bebê inicialmente irritado, por qualquer motivo que seja, depois de ser cutucado, medido e "estriquinado" pela família, tende a piorar, né? O povo do "eu tenho uma ideia melhor" não sabe disso. Pois tendo sido vencido em sua primeira etapa, a de convencer a mãe a fazer algo que ela não estava fazendo, e, na segunda, de fazerem eles mesmos alguma medida surpreendente, seguem para a última e derradeira missão: já pioramos o estado do bebê, agora vamos avacalhar a mãe. Pode reparar, esses ciclos sempre terminam com o compartilhamento de histórias.

– A comadre da minha vizinha tem uma filha da sua idade, o bebê dela também é assim, irritado. Foram ver e ele tem asma!

– O neto do terceiro filho do meu quarto marido estava assim quando nasceram os dentes. Foram ver e os dentes nasceram todos no céu da boca!

– Ah, mas você sabe que tem um tipo de febre que não dá para fora. A filha da amiga da minha cunhada teve isso. É uma febre que dá para dentro. Você tem de ver isso, viu?

Chega uma nova convidada na festa, momento mínimo em que a mãe e o bebê "chorandinho" saem do foco da sabatina, pelo tempo em que ela demora para fazer a volta dos cumprimentos iniciais. Para em sua frente. Aperta as bochechas do menino, que, enfim, descontrola num choro compulsivo.

– Ah! Tadinho! O que ele tem, hein?

Anne Rammi

Anne Rammi, artista plástica e mãe do Joaquim (3 anos) e do Tomás (1 ano). Experimentou com a chegada dos meninos a oportunidade de quebrar muitos paradigmas da maternidade contemporânea e relata suas experiências com fidelidade e uma peculiar (e muitas vezes polêmica) ironia. Escreve muito, fala muito, produz incessantemente, em especial sobre os temas do universo da maternidade crítica e consciente, como o parto humanizado, amamentação prolongada, criação por apego e em defesa de uma infância livre de consumismo, sendo personagem importante nos grupos ativistas da internet materna. Recentemente virou vegetariana e vive o dia a dia tentando adequar as ideologias às práticas, rumo a uma vida com foco na família, na sustentabilidade e na educação fora da escola. www.mamatraca.com.br

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