A lista de enxoval perfeita
-
Paola Saliby/UOL
Aquilo que o bebê precisa quando nasce não se pode comprar
Fecho meus olhos e viajo no tempo para o momento em que me vi grávida pela primeira vez.
Depois de passado um turbilhão de problemas bem desagradáveis no início da gestação, era hora de eu curtir um pouco a chegada do bebê.
Lá na minha cena mental aparece um narrador em off: e como a mulher paulistana de classe média curte a chegada do bebê?
a) Fazendo ensaios fotográficos com barriga em preto e branco e flores coloridas repousando sobre as estrias, que depois a fotógrafa vai tratar?
b) Lendo livros, revistas e sites sobre o assunto?
c) Montando o enxoval, o que, de uma forma geral, significa organizar o quarto do bebê, da arquitetura ao fru-fru que vai em cima da cama, passando por todas as roupas e apetrechos que uma criança precisa e desaguando na fatídica data em que acontece a festa máxima da gravidez: o chá de bebê?
Eis que, com exceção do ensaio fotográfico, todo o resto eu fiz (aqui um parênteses para deixar registrado que acho essas fotos de barriga pintada, com uma carinha feliz e o nome do bebê, e o pai ajoelhado beijando a tinta guache um pouco bregas #prontofalei).
Passei muito tempo da minha gravidez honrando esses rituais. Olhando as listas, procurando a cômoda, pensando no berço e cultivando na minha cabeça um filho imaginário cercado daquelas matérias.
O filho dentro do berço. O filho dentro daquele macacão. O filho no carrinho recém-adquirido (e que arrependimento ter investido dinheiro em um carrinho tão caro e tão cheio de adereços como aquele que eu escolhi).
Lembro-me claramente de ter seguido uma lista de enxoval padrão, nem tanto ao céu nem tanto à terra, orgulhosa de estar fazendo escolhas equilibradas. Na mesma época, uma amiga grávida me contava que havia conseguido uma lista de enxoval de uma consultora de compras em Miami. Falava com propriedade que, com a tal lista, não iria faltar nada na hora que o bebê chegasse, porque ela cruza todas as listas existentes, anulando os itens repetidos e somando tudo aquilo que é possível comprar antes de a criança nascer.
Pois bem, nem eu nem ela, do alto da nossa maior boa vontade, estávamos preparadas para o óbvio: aquilo que o bebê precisa quando nasce não se pode comprar. Desde então, venho pensando em uma lista de enxoval ideal. Ou, pelo menos, mais próxima do ideal para mim e para pessoas que, como eu, têm aprendido a celebrar outros valores, menos ter, mais ser.
Parece bobo e piegas falar assim, eu sei. Mas minha vivência com a segunda gravidez, e a vontade de descobrir dentro de mim e das mulheres que me cercavam quais eram os rituais e as necessidades de uma grávida, de uma família e de um bebê humano, só me deixa essa conclusão mesmo, por mais clichê que seja.
Não estamos aproveitando o tempo de gestar, as festas rituais entre mulheres e toda a intuição inerente à grávida para pensar genuinamente naquilo que mães e bebê precisarão depois que a grande primeira separação acontecer. O nascimento, quando um vira dois.
Hoje tenho um rascunho de uma nova lista de enxoval:
- Interesse e oportunidade para aprender sobre a fisiologia da gravidez e do parto a partir de livros, revistas e sites que estejam alinhados com as recomendações mais recentes das principais organizações de saúde, como a OMS (Organização Mundial da Saúde);
- Momentos de encontro consigo mesma. Seja por meio de uma massagem feita pela massagista mais chique da cidade ou pelas mãos do companheiro, pela chance de ouvir uma música ou de ficar um momento em silêncio e meditar, para permitir que o corpo grávido se expresse na rotina cansativa do dia a dia. Sinto que sufocamos a gravidez reduzindo-a a máxima de "não é doença". O que de fato não é, mas também não significa que não deva ser olhada com atenção;
- Da conexão consigo mesma, nasce a conexão com o feto, e o filho começa a ser imaginado dentro do contexto das emoções, que é onde ele vai viver por muito tempo, mesmo fora da barriga. E não no contexto das compras, dos bens acumulados;
- Estou parecendo muito riponga? Então vá lá: na prática, acho que bebês precisam de panos. Muitos panos. Fraldinhas de pano, cueiros de flanela, mantinhas, toalhas grandes, de adultos (de preferência, já usadas e amaciadas, por que não? É sustentável e vai poupar o bebê de sentir a aspereza das toalhas novas, além de servirem por muito mais tempo do que simplesmente para os primeiros banhos). Carregadores de pano, lençóis grandes e toalhas de mesa, que possam ser estendidos no chão da sala, na pracinha, no quintal de casa ou no parque do prédio.
- Um chá de bebê dedicado a mais que fazer fotos de decorações impecáveis ou ajudar na confecção da lista. Um momento no qual mulheres, em diversas etapas de suas vidas (filhas, mães, avós e tias), possam, efetivamente, trocar suas experiências acerca de parto, amamentação, aspectos emocionais da chegada dos filhos. Falta vínculo entre mulheres no pré-parto.
- Grupos de grávidas trocando figurinhas, anseios e sentimentos são um item fundamental da minha nova lista de enxoval.
- Poucas, bem poucas roupas! Somente o suficiente para o primeiro ou segundo mês. Sinceramente, não há nada tão fundamental que não possa ser adquirido depois que o bebê nasce. Hoje em dia, não compreendo mais a necessidade de acumular produtos para se preparar para a chegada do bebê, uma vez que a gente nem sabe, na primeira viagem, como será a criança e se vamos, nós mães, gostar ou não de determinado produto. Volto lá na minha cena e me vejo comprando conjunto pagão (formado por calça e blusa). Céus. Descobri só depois de ter tentado usar algumas vezes aquelas coisas elaboradas que eu sou uma pessoa do body de botão de pressão no cavalo. Ai de quem compra macacão de recém-nascido com botão atrás! Já viu a dificuldade que é trocar um recém-nascido para a mãe de primeira viagem?
- Menos decoração, mais emoção.
- Um carrinho bem simples. De preferência daquele que se pode deitar. Serve para passear, deixar o bebê por perto quando não se quer carregá-lo no colo. Serve de berço por um bom tempo, enquanto mãe e bebê se adaptam à nova vida e, em especial, dá uma chance para a mãe decidir se, de fato, ela quer um berço. Pasmem, ele está longe de ser fundamental.
- Uma assinatura de TV a cabo, filmes em DVD. Bons livros de tirinhas, livros de histórias interessantes ou coisa parecida para serem usados "ad infinutum" nas noites em claro do puerpério. Quando tive meu primeiro filho, soube o que é estar viva e alerta por 24 horas. Sendo uma consumidora compulsiva de conteúdo, não havia temporada de "Friends" que bastasse para me distrair enquanto eu vencia a batalha da amamentação.
- E como não poderia deixar de ser, nada, nada de produtos substitutos ao seio materno ou leites artificiais (nesse primeiro momento, e, se tudo der certo, para todo o sempre). Eles estão estranhamente presente nas listas de enxoval mais genéricas, como se fosse óbvio que aquela mulher não quer ou não conseguirá amamentar. Acho perverso.
No geral, é isso. A lista de enxoval perfeita para mim é aquela que pode trazer mais consciência à mãe. Aproximar sua relação com o feto e com o mundo que a cerca sob a ótica da maternidade, que é etérea, emocional, divina e riquíssima. Muito mais rica do que qualquer lista de enxoval mais completa possa combinar e democraticamente acessível a todas as mães.
Anne Rammi
Anne Rammi, artista plástica e mãe do Joaquim (3 anos) e do Tomás (1 ano). Experimentou com a chegada dos meninos a oportunidade de quebrar muitos paradigmas da maternidade contemporânea e relata suas experiências com fidelidade e uma peculiar (e muitas vezes polêmica) ironia. Escreve muito, fala muito, produz incessantemente, em especial sobre os temas do universo da maternidade crítica e consciente, como o parto humanizado, amamentação prolongada, criação por apego e em defesa de uma infância livre de consumismo, sendo personagem importante nos grupos ativistas da internet materna. Recentemente virou vegetariana e vive o dia a dia tentando adequar as ideologias às práticas, rumo a uma vida com foco na família, na sustentabilidade e na educação fora da escola. www.mamatraca.com.br