Bebês

Como (não) lidar com manchas nas roupas dos bebês

Mamatraca

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  • Paola Saliby/UOL

    Crianças não ficam limpas no conceito de limpeza dos adultos. Se ficam, estão se divertindo pouco

    Crianças não ficam limpas no conceito de limpeza dos adultos. Se ficam, estão se divertindo pouco

Outro dia me deparei com uma mãe, em um grupo que frequento, perguntando sobre dicas para cuidar das roupas do bebê. A garotinha dela estava iniciando a alimentação sólida e, no melhor estilo mãe de primeira viagem, ela estava chocada com o poder que uma maçã tem de manchar roupas. Uma pera. Uma uva. Uma banana, oh, céus, as indeléveis manchas de banana!

Essas comidinhas da natureza são grandes "manchadoras" de roupas, assim como o leite materno, se não for lavado logo após aquela golfada. E, honestamente, quem tem tempo de lavar roupa imediatamente depois da golfada? A menos que você tenha um séquito na sua casa, disposto a atender imediatamente as urgências das roupas limpas, a possibilidade de você conseguir esfregar uma camisetinha do bebê, depois que ele devolveu o queijo que fabricou no estômago, é da ordem de: a mesma probabilidade de ele não devolver o queijo, caso esteja com uma roupa limpa.

Pensando em uma reposta para aquela mãe, criei toda uma teoria progressista, baseada em evidências científicas, de cunho altamente psiquiátrico e contemporâneo, sobre como cuidar das roupas do bebê quando o assunto é manchas. Acompanhem.

A vida materna começa e as roupas do bebê não estão manchadas. Muito provavelmente nessa fase, a mulher ainda está grávida. Em um determinado momento, o bebê começa a devolver leite e, por falta de experiência, de capricho, de treino, de empregada, ou, simplesmente, porque há mais com o que se preocupar do que ficar esfregando manchinha no tanque, as roupas começam a ressurgir na gaveta com algumas marcas mais escuras, na região da gola ou dos ombros. Mães mais atentas percebem as mesmas manchas em seus sutiãs, ombros e região dos seios das blusas mais claras.

Negação: lava aí mais umas vezes que isso vai desaparecer. Olha com um olho meio torto, parece que há algo de errado com aquele pagãozinho, mas finge que não vê. Vai desaparecer. Faz o seguinte, põe um babador em cima.

Eis que não só as manchas não desaparecem como também começam a piorar quando as frutinhas são apresentadas ao bebê. Agora não tem muito como ignorar, as manchas são truculentas e habitam a esmagadora maioria das roupinhas da criança, inclusive os babadores, que, aparentemente, servem para que se tenha mais uma peça para lavar, já que as crianças sabem como ninguém arrancá-los ou, no mínimo, esfregar mão de papinha por baixo deles. Chateada com todo o amor e dedicação empenhados naqueles conjuntos fofinhos e branquinhos (amarelinhos, verdinhos, azulzinhos) e cheios de frufrus, que começam a parecer sagu de tanta bolinha, a mãe resolve radicalizar.

Raiva: cata todo o monte de roupa manchada e separa em dois grupos: roupas de ficar em casa e de sair. Assim, pelo menos, ela não vai passar vergonha na festinha do prédio com aquele bebê simpático vestido de pano de limpar fogão.

Mas os dias com bebês pequenos passam como furacões e as manchas aparecem também nos joelhos, na bunda e na barriga. O bebê se arrasta pela casa, senta na terra, engatinha. Uma análise mais profunda do guarda-roupa sugere uma nova tristeza: economizamos as roupas de sair para ocasiões especiais e elas, simplesmente, não servem mais. Agora o guarda-roupa do bebê está dividido em 70% de roupas manchadas e 30% de peças para sair que não servem.

Barganha: essa é a fase de apelar para as promessas dos detergentes, sabões, removedores de manchas milagrosos. Compra-se toda uma gama de produtos, pergunta-se para a avó que, na maior cara lavada, diz que basta esfregar uma a uma com sabão de coco e deixar quarando no sol!

Eis que a luta entre mãe e mancha parece estar entrando nos eixos. Aquelas que adotam o conselho da avó costumam ter mais sucesso do que a galera dos produtos milagrosos, mas ambas chegaram na fase de compreender que precisam atuar drasticamente contra as "maledetas". Parece estar entrando nos eixos, eu disse? Mas eis que a pequena criança descobre novos amigos: massinha de modelar, tinta plástica, canetinhas. As novas aliadas das bananas e maçãs. Não só isso, eles comem chocolate agora. E suco de uva. Integral.

Depressão: parece não haver saída. Olhando peça por peça do guarda-roupa do filho, a mãe percebe o esforço em vão. E para piorar rasgos e rombos acompanham o ataque estético à indumentária do querido rebento.

Um guarda-roupa infantil inteiro maculado pela inabilidade materna em reconhecer o óbvio: crianças não ficam limpas no conceito de limpeza dos adultos. Se ficam, é porque estão se divertindo pouco (ou andam lhes amarrando as mãos na hora de comer). Uma única blusa sem manchas resta no guarda-roupa e, no dia daquela ocasião especial, o bebê, que agora já pode ser considerado criança tamanha vontade de escolher o que vestir, recusa-se a vesti-la. "As mãe chora!"

Sem alternativas para o fim dessa injusta batalha, a mãe não vê outra opção se não render-se.

Aceitação: fecha as portas do guarda-roupa, continua levando sua vida sem grandes exigências quanto à limpeza, entendendo que manchas não são sinal de sujeira, assiste aos comerciais com promessas de milagres sem esfregar e, antes de duvidar da qualidade do produto, pergunta-se: para quê mesmo quero manter essas roupas imaculadas? Deixa para uma próxima vida, nesta, estou aprendendo a viver (e muito bem) longe da perfeição.

Esse é o fim da minha tese democrática, atemporal, universal e aplicável nas mais variadas circunstâncias, que foi baseada nos estágios de aceitação da morte, descritos, em 1969, pela psiquiatra americana Elizabeth Kluber Ross. Que, francamente, poderia muito ter começado sua teoria a partir da observação de um guarda-roupa infantil, como vocês puderam ver.

Anne Rammi

Anne Rammi, artista plástica e mãe do Joaquim (3 anos) e do Tomás (1 ano). Experimentou com a chegada dos meninos a oportunidade de quebrar muitos paradigmas da maternidade contemporânea e relata suas experiências com fidelidade e uma peculiar (e muitas vezes polêmica) ironia. Escreve muito, fala muito, produz incessantemente, em especial sobre os temas do universo da maternidade crítica e consciente, como o parto humanizado, amamentação prolongada, criação por apego e em defesa de uma infância livre de consumismo, sendo personagem importante nos grupos ativistas da internet materna. Recentemente virou vegetariana e vive o dia a dia tentando adequar as ideologias às práticas, rumo a uma vida com foco na família, na sustentabilidade e na educação fora da escola. www.mamatraca.com.br

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