A nova forma: o corpo depois da gravidez
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Paola Saliby/UOL
Voltar à forma depois dos filhos não se resume a remendar uma imagem antiga de nós mesmas
O trabalho de uma fotógrafa americana me chamou atenção nesses últimos dias. Por meio de sua própria vivência, ela resolveu colocar um basta na ditadura que as mulheres sofrem durante a vida toda, que tende a ficar ainda mais grave depois do nascimento dos filhos, e registrar a beleza de um corpo feminino ao seu natural. Estriado, com proporções diferentes do que clamam as revistas e os padrões das celebridades, que buscam retornar à forma da vida pré-filhos em tempo recorde.
Novidade: não existe voltar à forma da vida pré-filhos. Nem mesmo se o filho não tiver sido gerado dentro do corpo da mãe. Ter um filho, da forma que seja, traz consequências indeléveis. Acho melhor a gente parar de querer que a chegada dos filhos na vida de uma mulher, uma família, um casal, seja irrelevante a ponto de não gerar nenhuma transformação. Seja no corpo, na rotina, no trabalho, nas relações. Filhos mudam a vida e ponto final.
Ainda que eu seja desligada dessa busca por padrões de beleza e dê risada de como a mídia trata uma celebridade que desfila com "corpo impecável" no Carnaval poucos meses após o parto, devo ressaltar que já vivenciei a experiência do polo oposto. Aquele arquétipo materno que, levantando a bandeira do "não tem jeito", a cada compra de roupas novas para os filhos porque cresceram, precisa fazer uma rodada de ajustes nas próprias roupas, porque elas insistem em continuar não servindo.
Em um extremo, mulheres negando tudo o que a maternidade lhes registrou no corpo, agendando cirurgias, fazendo regimes malucos, tomando remédios e vivendo em busca de um padrão de beleza perfeito. De outro lado, mulheres que tiram os espelhos da casa, evitam fotografias e, acomodadas em uma falsa sensação de conformidade, usam da maternidade para esconder, atrás dos quilos, a falta de cuidado consigo mesma.
Novidade: quem não quer se olhar no espelho não está querendo se enxergar. Quem enfrenta o espelho buscando modelos externos também está com dificuldade de olhar para si. E, por experiência própria, parece não existir momento mais apropriado na vida de uma mulher, para rever suas relações consigo mesma e com o mundo, do que depois da chegada dos filhos, quando tudo o que conhecemos sobre a vida toma um novo significado.
É um castelo de areia a ruir para a construção de um novo templo. E eu me arrisco a dizer: nosso único templo é o corpo.
Nesta semana, acompanhei a história de uma mãe que conseguiu, por meio de um resgate do próprio corpo, fazer um resgate de si mesma. E não satisfeita está inspirando muitas outras mulheres a se cuidarem, como prioridade (clique aqui para conhecer a história dela).
Eu me pus a pensar nessa máxima: quem não cuida de si mesmo não pode cuidar de ninguém. E como mães precisam estar atentas para não caírem nas armadilhas de um extremo ou de outro. Nem corpo de modelo nem fuga do espelho. Qual é a sua nova forma?
Eu, que tinha tudo para ser uma mãe largada, acima do peso e com baixa autoestima, como os 28 anos que precederam meus filhos tinham comprovado. E, exatamente por ter dado uma enérgica bica no meu castelo de areia depois que eles chegaram, tenho vivenciado uma nova forma de me relacionar com meu corpo, com minha saúde e com meu entorno.
Emagreci 30 quilos depois da chegada do primeiro. Engordei quase tudo de novo na segunda gravidez e, quando achava que tudo era um sonho, em poucos meses, me achei no espelho, num dia em que não precisava mais desviar o olhar ou chupar a barriga para sair na foto. Num dia em que olhei as roupas de grávida e decidi que elas, definitivamente, não cabiam mais no meu guarda-roupa nem em mim.
Não posso dizer que foi fruto de esforço comum. Não fiz dieta, não fiz exercício. Foi um tipo de esforço diferente: o de estar disposta a aprender quem eu era. Respeitar aquilo que eu encontrasse, ainda em andamento ao quadrado (essa parte é a mais difícil). Aprender a gostar de mim mesma. Saber qual é o meu tamanho. É 40? 44? 48? Não importa, contando que seja meu.
Que na minha barriga, levemente flácida, estejam as coisas que me pertencem: as estrias que me tatuaram, a marca da cesárea que encaro todos os dias, as graciosas celulites que estão ali… por motivos inexplicáveis.
Mas que não habite meu corpo nada do que não me pertence. Nem a barriga chapada da atriz nem as pelancas advindas de um sorvete que eu quis tomar para tentar entorpecer alguma coisa que me incomodava nessa busca, a de gostar de mim mesma. É duro construir um templo, os egípcios que o digam. Mas é diário, contínuo e exige de cabeça, corpo e coração.
Novidade: a busca por voltar à forma depois dos filhos não se resume a remendar uma imagem antiga de nós mesmas nem a obedecer padrões surreais de beleza. Muito menos a abandonar o corpo-templo à sorte da vida sem sorte que levam as mulheres comuns da contemporaneidade: perdidas nas tarefas da vida pessoal, profissional, emocional, materna e social.
É a busca de uma nova forma. Pessoal, intransferível e que reflete no corpo aquilo que somos em essência. Uma nova forma de viver a vida. E, surpreendentemente, ela pode ser ainda melhor do que a anterior.
Anne Rammi
Anne Rammi, artista plástica e mãe do Joaquim (3 anos) e do Tomás (1 ano). Experimentou com a chegada dos meninos a oportunidade de quebrar muitos paradigmas da maternidade contemporânea e relata suas experiências com fidelidade e uma peculiar (e muitas vezes polêmica) ironia. Escreve muito, fala muito, produz incessantemente, em especial sobre os temas do universo da maternidade crítica e consciente, como o parto humanizado, amamentação prolongada, criação por apego e em defesa de uma infância livre de consumismo, sendo personagem importante nos grupos ativistas da internet materna. Recentemente virou vegetariana e vive o dia a dia tentando adequar as ideologias às práticas, rumo a uma vida com foco na família, na sustentabilidade e na educação fora da escola. www.mamatraca.com.br