Dor de filha
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Paola Saliby/UOL
Ao ver a cria machucada ou magoada, afloram sentimentos como impotência, culpa e revolta que afloram
Sabe uma coisa que deveria ser proibida? Uma mãe ver o filho sentindo dor. E digo mais: deveria ser proibido por uma lei interplanetária, que contemplasse mães terráqueas, marcianas e todas as colegas do cosmos.
Mesmo invocando a parte racional para se despir da armadura de superprotetora –é preciso um certo esforço aí– são sentimentos como impotência, culpa e revolta que afloram, como instinto, ao ver a cria machucada ou magoada.
Uma situação que me deixa desorientada é levar criança para tomar vacina. A gente entra naquela salinha, dá um suspiro bem fundo e mente "vai doer só um pouquinho, mas é para o seu bem" enquanto enxuga uma lágrima –já contei que eu sou emotiva, né?– e sufoca a sensação de ser o carrasco do próprio rebento. Isso tudo antes de confortar aquele que está prestes a abrir o maior berreiro e te lançar um olhar fuzilante de quem foi enganado porque "doeu muito".
Dia desses tive de fazer esse papel e sofri com a minha pequena não só na hora da injeção, mas também durante os dias em que sua perninha ficou imóvel e inchada devido a uma dolorida reação ao medicamento. Em quase oito anos de maternidade, nunca tinha passado por esse tipo de perrengue –sempre há de ter uma primeira vez para tudo– e logo fui conversar com a pediatra, que me garantiu que esse processo inflamatório era característico do tipo de vacina que ela tinha acabado de tomar e que levaria até três dias para que tudo voltasse ao normal.
Horas se passando, minutos, e nada de a criança melhorar. Eu queria ir ao pronto-socorro. Eu queria conversar com mais dois ou três médicos. Eu queria que me garantissem que ela ficaria melhor antes do prazo estipulado. Eu queria vê-la pulando e correndo novamente. Eu queria, desesperadamente, que ela não sentisse mais dor. A-go-ra.
"A médica não falou que seriam três dias? Então, está tudo certo. Está dentro do prazo" disse meu marido ao me consolar com o infalível pragmatismo masculino, tentando me tirar do abismo paranoico que pode ser a "maternolândia". "Você queria que ela fosse o Wolverine?!"
Bingo!
Mas é claro que era isso que eu queria para a minha filha –menos a parte das costeletas, ok? Meu desejo era que, sim, fosse incorporado nela o superpoder de regeneração rápida do herói e que nem ela nem eu tivéssemos de lidar com essa recuperação tão lenta –opinião materna nada isenta– que parecem ter os seres da espécie humana.
E fiquei pensando com os meus botões: sortuda mesmo é a mãe do Wolverine.
Priscilla Perlatti
Priscilla Perlatti trabalhou durante anos com turismo e depois que se tornou mãe da Stella (7 anos) e da Lia (5 anos) se assumiu designer. Já superou as preocupações com chupetas e desfralde (apesar que as birras ainda são bem comuns) e agora enfrentauma nova etapa com questões como dentes moles, alfabetização e o desapego na criação – esse último uma demanda das filhas já crescidas. Costuma dizer que hoje exerce uma maternidade reativa, pois os anos de experiência levaram embora a ansiedade em se antecipar às possíveis necessidades das crianças e trouxeram calma e serenidade para lidar com os infinitos desafios de ser mãe. Também gosta muito de falar de turismo e lazer com crianças. www.mamatraca.com.br