A vida cercada de personagens
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Paola Saliby/UOL
A adoração aos personagens infantis hoje é o culto às celebridades de amanhã
Dê uma olhada mais atenta nos pertences dos seus filhos. Você saberia dizer o quanto disso tudo leva estampado uma imagem ou o nome de algum personagem infantil?
A proporção chega a assustar. Brinquedo, jogo, roupa, mochila, caderno, lençol, toalha, fraldas, prato, calcinha e cueca, iogurte, macarrão. A lista é infindável. Sem contar nas decorações prontas para festas e quartos inteiramente temáticos.
Acho curioso quando perguntam para a criança: "sua festa vai ser de quem?". Como se a comemoração não fosse sempre do aniversariante. Mas, via de regra, a resposta é o nome de algum salvador do mundo de última geração.
Existem arquétipos de heróis e heroínas para todos os gostos e ocasiões. A que adora animais. A que faz rir. O que tem um coração bom. A que sabe tudo de boas maneiras. O que é meio atrapalhado. A que valoriza a diversidade. Não importa o que se almeje, sempre vai haver um protagonista do universo fantástico para preencher essa lacuna. E para nós, meros mortais, a chance de nos aproximarmos desse ideal é quando adquirimos qualquer um dos produtos com a marca desses ídolos. Mas será que precisamos disso mesmo?
Sempre me intrigou a dificuldade de achar coisas para as crianças que não estivessem relacionadas a bichinhos fofinhos de qualquer sorte. Recentemente fiz uma experiência que me custou dias de peregrinação entre supermercados, farmácias e perfumarias: saí em busca de um simples xampu adequado à idade das minhas filhas, sem referências a bonecas, turmas ou apresentadoras. Elas, aos cinco e sete anos, já não querem mais usar coisas de bebês, mas também, pela composição, evito os produtos direcionados a adultos. Custei a achar, mas não topei pagar quase 30 reais por um frasco livre de personagens.
O contrário acontece. Quando se trata de produtos alimentícios e artigos de papelaria (quem sai para comprar a lista de material bem sabe), quanto mais caras conhecidas nas capas e embalagens, maior o preço.
A vida está cercada de personalidades, algumas fictícias, outras reais, que acabam se tornando verdadeiros modelos de conduta para a sociedade de um modo geral. Mas o que define o quanto influenciam é a relação estabelecida com elas e, consequentemente, às transferências dos anseios, nossos e de nossos filhos. A adoração aos personagens infantis hoje é o culto às celebridades de amanhã. É preciso ter sensibilidade e atenção ao permitir que toda essa turma que frequenta sua televisão também se sinta à vontade em sua casa.
Priscilla Perlatti
Priscilla Perlatti trabalhou durante anos com turismo e depois que se tornou mãe da Stella (7 anos) e da Lia (5 anos) se assumiu designer. Já superou as preocupações com chupetas e desfralde (apesar que as birras ainda são bem comuns) e agora enfrentauma nova etapa com questões como dentes moles, alfabetização e o desapego na criação – esse último uma demanda das filhas já crescidas. Costuma dizer que hoje exerce uma maternidade reativa, pois os anos de experiência levaram embora a ansiedade em se antecipar às possíveis necessidades das crianças e trouxeram calma e serenidade para lidar com os infinitos desafios de ser mãe. Também gosta muito de falar de turismo e lazer com crianças. www.mamatraca.com.br