Mamãe está sozinha
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Paola Saliby/UOL
Às vezes, a solidão se apresenta como uma oportunidade de se reconectar consigo mesma
Como tudo, a solidão materna também tem dois lados. Existe aquele sentimento, creio eu inevitável, que nos acomete logo nos primeiros meses após o nascimento do bebê: uma sensação sufocante de que todo mundo tem uma vida, menos a gente, como bem descreveu a Roberta Lippi em texto recente aqui para a coluna. E tem um outro lado, menos sombrio, que é quando a solidão se apresenta como uma oportunidade de se reconectar consigo mesma.
Não tinha me deparado com essa segunda modalidade até recentemente quando, por causa de uma viagem a trabalho, fiquei longe das minhas filhas por uma semana. Desde que me tornei mãe, nunca tinha tido a experiência de me ausentar por todo esse tempo da rotina familiar e de ter de entregar o comando de horários, cardápios, demandas e itinerários a um time de apoio –no meu caso, composto pelo meu marido e meus pais.
Sei que inúmeras mulheres têm de fazer desse tipo de viagem uma rotina em suas vidas profissionais –e aqui escancaro a minha mais sincera admiração por vocês– e acabam descobrindo como lidar com os prós e os contras dessa demanda.
Uma amiga minha, mãe de gêmeos e grande acumuladora de milhas a negócios, diz que um dos luxos de se viajar só é a sedutora possibilidade de ter uma noite ininterrupta de sono mas, por outro lado, é difícil encarar a culpa de não conseguir acompanhar os pormenores da vida das crianças.
E logo chegamos a ela, a tão falada culpa, que chega como um tapa na cara, forte e certeiro. Estava ciente de que a teria como companheira de jornada durante os dias fora e, para minha surpresa, ela foi uma passageira que se ausentou.
Procurei bem lá no fundo da mala para ter certeza de que ela não estava escondida e o que eu achei foi um monte de tempo só para mim. Meio sem jeito com esse artigo novo e raro, fui construindo uma outra relação com as horas e os minutos. Descobri que estava só, mas não estava solitária.
Pude ouvir meus pensamentos, desejos e impulsos. Até mesmo experiências comuns tiveram um outro significado: o prazer de terminar uma refeição que não estivesse gelada ou o pânico (dessa vez, em versão light) de enfrentar as turbulências rotineiras durante o voo.
Eu, uma grande entusiasta das viagens em família, consegui enxergar a beleza de fazer reserva para um, mesmo que o objetivo da escapada não fosse inteiramente o lazer. Aceitar a solidão e a distância, ainda que temporárias, me trouxe uma oportunidade para introspecção e redescobertas. E também boas noites de sono.
Priscilla Perlatti
Priscilla Perlatti trabalhou durante anos com turismo e depois que se tornou mãe da Stella (7 anos) e da Lia (5 anos) se assumiu designer. Já superou as preocupações com chupetas e desfralde (apesar que as birras ainda são bem comuns) e agora enfrentauma nova etapa com questões como dentes moles, alfabetização e o desapego na criação – esse último uma demanda das filhas já crescidas. Costuma dizer que hoje exerce uma maternidade reativa, pois os anos de experiência levaram embora a ansiedade em se antecipar às possíveis necessidades das crianças e trouxeram calma e serenidade para lidar com os infinitos desafios de ser mãe. Também gosta muito de falar de turismo e lazer com crianças. www.mamatraca.com.br