A hora do terror
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Paola Saliby/UOL
Nesses momentos atribulados é preciso bastante cautela com acidentes e julgamentos acidentais
O cair da noite costuma trazer criaturas estranhas para dentro da minha casa. E não falo de mariposas, aleluias nem tampouco pirilampos.
Conforme vai escurecendo, começo a ouvir gritos. Presencio birras. Sigo crianças correndo de um lado para outro. Como na famosa história de "O Médico e o Monstro" (Robert Louis Stevenson), onde o pacato doutor se transforma, inexplicavelmente, em um ser perturbado, vejo minhas filhas se transmutarem em meninas, irreconhecivelmente, irritadiças e arredias.
O horário entre seis da tarde e oito da noite foi carinhosamente apelidado de "a hora do terror". O período entre a saída do portão da escola e o combo banho-cama é um verdadeiro incêndio. As crianças pegando fogo, tocando o terror e marido e eu tentando dar prosseguimento à rotina, lutando entre o tempo, o cansaço e a lista de tarefas noturnas.
No caminho para casa começam a fazer manha e exigências (momento Mariah Carey). Daí chegam em casa jogando mochila e tênis na frente (momento Menino Maluquinho). Ameaçam um cochilo enquanto estou ocupada fazendo o jantar (momento Bela Adormecida) e, entre a hora de fazer lição de casa e tomar banho, elas brigam, sobem, pulam, rasgam, rabiscam, têm ataque de riso e de bobeira (momento dr. Jekyll e sr. Hyde). E seguem em escalada até o pico da paciência (momento mãe descontrol). De onde a gente já aprendeu que leva ao último suspiro vigoroso antes de se entregarem ao sono angelical das crianças.
Nesses momentos atribulados é preciso bastante cautela com acidentes e julgamentos acidentais. Entre um "mãe, ela me bateu." e "não, foi ela quem começou!" pode acontecer um "está todo mundo de castigo!". Entre uma brincadeira mais destemida e uma arte mais bruta, pode acontecer uma topada distraída na parede, resultado do cansaço físico das crianças e exaustão mental dos pais. E entre um "posso dormir sem tomar banho?" e um bocejante "mas eu não estou com sono..." pode acontecer uma corridinha para se esconder do chuveiro e do sabonete.
Longe de achar uma explicação para esse fenômeno, agora simplesmente observo e lido da melhor forma que posso (até que tentei, mas algo me diz que não tem nada a ver com a influência da lua ou com a falta de alinhamento dos astros). Conversando com outras mães, descobri que esse meu caso não é exclusivo. Ainda bem. Assim, no conforto da desgraça alheia compartilhada, me sinto mais acolhida nesse estranho mundo da maternidade.
Priscilla Perlatti
Priscilla Perlatti trabalhou durante anos com turismo e depois que se tornou mãe da Stella (7 anos) e da Lia (5 anos) se assumiu designer. Já superou as preocupações com chupetas e desfralde (apesar que as birras ainda são bem comuns) e agora enfrentauma nova etapa com questões como dentes moles, alfabetização e o desapego na criação – esse último uma demanda das filhas já crescidas. Costuma dizer que hoje exerce uma maternidade reativa, pois os anos de experiência levaram embora a ansiedade em se antecipar às possíveis necessidades das crianças e trouxeram calma e serenidade para lidar com os infinitos desafios de ser mãe. Também gosta muito de falar de turismo e lazer com crianças. www.mamatraca.com.br