Gestação

Sobre partos possíveis e o poder da blogosfera materna

Mamatraca

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  • Paola Saliby/UOL

    Palavra de médico era lei pra mim naqueles tempos "pré-madresfera"

    Palavra de médico era lei pra mim naqueles tempos "pré-madresfera"

"A gente até consegue tentar um parto normal depois dessa sua cesárea que está tão recente. Mas já vou avisando que as chances de ter de usar fórceps são grandes" me disse a médica que procurei quando decidi engravidar pela segunda vez, pouco mais de um ano depois de ter tido minha primeira filha.

Era uma época (no longínquo ano de 2006) na qual não havia essa frenética troca de experiências entre mães. Não havia a abundância de blogs, canais e portais maternos, muito menos essa pluralidade de grupos e comunidades virtuais. Os encontros (que eu achava que eram raros e hoje sei que aconteciam muito mais perto de mim do que imaginava) eram, em sua maioria, presenciais. Para compartilhar vivências, era preciso garimpar essas turmas.

Palavra de médico era lei pra mim naqueles tempos "pré-madresfera". E mesmo não mais me consultando com aquela profissional do primeiro parágrafo, segui acreditando que um parto normal depois de uma cesárea não era coisa pra gente normal. Acatei a ameaça do fórceps e, para ser bem sincera, pensava pouco no meu segundo parto, acreditando que não me traria grandes surpresas.

Até que vieram as contrações e toda aquela beleza de um trabalho de parto. Agarrei com todas as forças essa desacreditada possibilidade do que, algum tempo depois eu vim saber, é conhecido pela sigla VBAC (Vaginal Birth After C-Section ou, em português, parto vaginal depois de cesariana). Era uma opção muito desejada, mas não tinha sido nada planejada.

Toda a equipe do centro obstétrico que me acompanhou duvidou que eu encarasse o trabalho de parto até o final. "Tem uma cesárea prévia aí, né, mãezinha? E você ainda está tentando o normal?" ouvia repetidamente das enfermeiras durante as cinco horas que passei lá.

Sem o amparo da minha médica (ignorando que o meu bebê pudesse dar o ar de sua graça com 38 semanas de gestação, me informou que estava fora da cidade e não conseguiria voltar a tempo para acompanhar o parto. Assim, conheci o médico que, de fato, me ajudou a dar à luz aos sete centímetros de dilatação), entendi que a luta pelo meu parto normal iria ser in loco e solitária. E com isso estabelecido, acreditei. 

Contrariando tudo e todos (os médicos, as convenções e até mesmo os antigos paradigmas dessa mãe), Lia veio ao mundo forte e saudável por meio de um parto normal repleto de intervenções. Orgulho e trauma. Uma grande mistura de sentimentos bons e ruins, que são parte fundamental da minha história como mãe.

Depois de cerca de dois anos dessa história, comecei a me envolver com a comunidade materna na internet. Achando que ia compartilhar toda a minha grande experiência como mãe de duas, aprendi e aprendo muito todos os dias.

Tomei conhecimento que o VBAC é uma realidade para um número cada vez maior de mulheres que querem mudar sua história. Aprendi que o que eu passei nesse parto tem um nome um tanto quanto repulsivo: violência obstétrica. Hoje sei que existem pesquisas sérias sobre o tema, cujos resultados apontam para uma triste realidade, na qual gestantes e parturientes são destratadas com uma frequência altíssima, física e psicologicamente.

E é aí que eu acho que minha grande transformação como mãe começou. É claro que a chegada de Stella, minha primeira filha, mudou completamente a minha vida. Ganhei e exerci o título de mãe plena durante esses dois anos entre os nascimentos delas, mas só depois que Lia, a minha caçula, me conduziu à luz de seu nascimento e me mostrou que sempre é tempo para mudanças, foi que compreendi por completo aquela história de que, quando a mulher se torna mãe, ela morre no parto para renascer outra pessoa. Eu morri e renasci duas vezes, cada vez mais intensamente. 

Priscilla Perlatti

Priscilla Perlatti trabalhou durante anos com turismo e depois que se tornou mãe da Stella (7 anos) e da Lia (5 anos) se assumiu designer. Já superou as preocupações com chupetas e desfralde (apesar que as birras ainda são bem comuns) e agora enfrentauma nova etapa com questões como dentes moles, alfabetização e o desapego na criação – esse último uma demanda das filhas já crescidas. Costuma dizer que hoje exerce uma maternidade reativa, pois os anos de experiência levaram embora a ansiedade em se antecipar às possíveis necessidades das crianças e trouxeram calma e serenidade para lidar com os infinitos desafios de ser mãe. Também gosta muito de falar de turismo e lazer com crianças. www.mamatraca.com.br

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