Qual é o seu ideal de amamentação?
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Paola Saliby/UOL
A amamentação é antes de tudo um processo de autoconhecimento e de encontro de expectativas e limites
Muitas amigas desmamaram seus bebês antes dos seis meses. Muitas outras seguem amamentando até depois dos dois anos. Algumas nunca sequer tentaram. Decidiram bem antes que não adotariam essa prática. Essas mulheres estão bem resolvidas porque tinham clareza das suas decisões.
A pergunta desse novo texto da série "Amamentação para Quem Tem Peito" é: você já parou para pensar o que seria uma história de amamentação bem-sucedida para você?
Patrícia teve muitas complicações com os seios no pós-parto, pois o Heitor não pegava seu peito direito. Sua boquinha de tartaruga feriu-lhe os mamilos, que quase "caíram". Ela insistiu tirando o leite e, vez ou outra, complementava com leite artificial, quando julgava que não aguentaria a próxima ordenha de tanta dor. Aos poucos desistiu de dar o seio, mas seguia lactando o filho com seu próprio leite. Comprou uma bomba elétrica e passou a complementar a alimentação do filho somente uma vez por dia.
Foram assim até seis meses, quando o bebê começou a comer e largou de vez o complemento artificial. Seguiu mamando até dez meses, quando, já engatinhando, tinha pouca paciência de ficar ao peito. Patrícia também tinha pouca paciência de oferecer-lhe o peito. Decidiram terminar sua história. Ela lembra dos mamilos em carne viva e das longas mamadas que viveu em troca absoluta de amor com seu filho. Está feliz com o processo, sente-se vitoriosa. O menino nunca mamou leite materno exclusivo e desmamou antes de um ano. E Patrícia e ele entendem que a história deles foi assim, está satisfeita.
Jéssica amamenta exclusivamente a filha Helena há quase oito meses. Ela segue recomendações recentes da Organização Mundial de Saúde, que preconizam a introdução de alimentos sólidos em um tempo específico para cada bebê.
Teve alguns problemas no começo, mas nada que valha a pena ser elencado. Helena mama todos os dias e Jéssica nem sonha com o desmame. Está insegura porque vai voltar a trabalhar em algumas semanas e qualquer ameaça à amamentação da filha para ela é preocupante, porque seu objetivo é que Helena desmame naturalmente e não por interferências externas.
Anda se encontrando com mulheres que compartilham dos mesmos dilemas para se cercar de forças para enfrentar os desafios. Está confiante, mas tem medo. Jéssica está focada em transformar o seu ideal de amamentação em realidade, da melhor forma que puder.
Fernanda tentou amamentar Felipe exclusivamente por 20 dias, quando o pediatra anunciou que ele não estava ganhando peso e sugeriu a mamadeira com complemento artificial. Felipe passou de uma a quatro mamadeiras de leite artificial por dia em duas semanas, quando Fernanda começou a sentir o impacto disso em sua produção.
Fragilizada pelo medo com relação à saúde do filho e sem apoio, ainda ofereceu-lhe o seio por mais um mês, com insistência. Um dia percebeu que Felipe não sabia mais sugar o seio, mas engordava a olhos vistos com a mamadeira. À essa altura, ele já ria, era lindo e ela se convenceu que leite artificial é melhor do que passar fome, como dizia sua mãe.
Fernanda sabia que existiam outras alternativas, como bancos de leite, já havia ouvido falar em técnicas para aumentar o leite e sabia que uma amiga, Patrícia, mantinha o fluxo com bombinha. Tudo isso lhe passou pela cabeça, antes que determinasse que Felipe não mamaria mais. Mas ela não teve disponibilidade para investigar. Disponibilidade financeira? De tempo? Emocional? Não se sabe. Fernanda contou para mim, ontem, que se sente muito culpada por não ter insistido mais em aleitar Felipe. Está claro para ela que a história de amamentação que ela viveu não correspondeu ao que achava ideal.
Quando você decide qual é o ideal de amamentação que quer viver, fica mais fácil traçar as estratégias para que ele aconteça. A amamentação é antes de tudo um processo de autoconhecimento e de encontro de expectativas e limites.
Anne Rammi
Anne Rammi, artista plástica e mãe do Joaquim (3 anos) e do Tomás (1 ano). Experimentou com a chegada dos meninos a oportunidade de quebrar muitos paradigmas da maternidade contemporânea e relata suas experiências com fidelidade e uma peculiar (e muitas vezes polêmica) ironia. Escreve muito, fala muito, produz incessantemente, em especial sobre os temas do universo da maternidade crítica e consciente, como o parto humanizado, amamentação prolongada, criação por apego e em defesa de uma infância livre de consumismo, sendo personagem importante nos grupos ativistas da internet materna. Recentemente virou vegetariana e vive o dia a dia tentando adequar as ideologias às práticas, rumo a uma vida com foco na família, na sustentabilidade e na educação fora da escola. www.mamatraca.com.br