Gestação

O renascimento do parto nos cinemas

Mamatraca

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  • Paola Saliby/UOL

    O número de mulheres que tem seus filhos sem cirurgias ou interferências médicas está perto de zero

    O número de mulheres que tem seus filhos sem cirurgias ou interferências médicas está perto de zero

O documentário "O Renascimento do Parto" estreou no dia 9 de agosto nos cinemas. É um passo importante para todas as mulheres do país porque, pela primeira vez nas grandes telas, fala-se abertamente da polêmica que circula as formas de nascer e parir na nossa sociedade.

Um dado importante, fresquinho e retirado do filme, diretamente da pré-estreia que tivemos o prazer de acompanhar: o número de mulheres que tem seus filhos sem o uso de cirurgias ou interferências médicas, como hormônios artificiais, está aproximando-se de zero. Para o médico francês Michel Odent, um dos principais nomes da obstetrícia mundial, isso é uma tragédia.

Odent levanta exatamente essa questão, que permeia todas as cenas do filme. O que acontecerá conosco quando não utilizarmos mais nossos sistemas hormonais? Quando todos nascermos por meio de procedimentos artificiais? Quando mulheres não mais acreditarem em suas capacidades inatas de parir?

E assim se desenrolam os mais de 90 minutos de película, com palavras de médicos, antropólogos, parteiras e famílias, que falam da urgência de que novos modelos para o atendimento de mulheres gestantes, parturientes, recém-nascidos e puérperas (mulheres que acabaram de dar à luz) sejam implantados.

A gravidez semana a semana

No modelo tradicional, esse no qual vivemos, as mulheres são encaradas como fundamentalmente defeituosas, e bebês são tratados como potencialmente doentes. Portanto, todas as interferências são feitas, mesmo antes que sejam necessárias, e, de quebra, como afirma no filme Melania Amorim, obstetra PhD que trabalha com gravidez e partos de altíssimo risco, sem evidências científicas comprovadas.

Circular de cordão, tamanho do bebê, placenta velha, pouca dilatação, gravidez muito longa, entre outras justificativas, são recorrentes para que se façam cesáreas no nosso país, fazendo com que 52% dos partos aconteçam por meio de cirurgias, enquanto o recomendado é apenas 15%. No documentário, uma a uma, elas são desmitificadas pelos especialistas.

O filme consegue amarrar muitas pontas, uma vez que a epidemia de cesarianas é um problema multifatorial. Não há um só culpado, mas vemos, com clareza, que, enquanto corporações vão se beneficiando, gravidezes vão sendo encerradas por meio de procedimentos cirúrgicos, que podem apresentar até três vezes mais risco de morte para mãe e bebê.

Os interesses da indústria farmacêutica, de equipamentos hospitalares, das instituições de ensino e dos convênios médicos somam-se à desinformação da população e o medo criado em torno do processo do nascimento na cultura judaico-cristã, que tem por máxima a dor como foco principal do processo do parto. Tudo se emaranha em histórias pessoais de resignação pelo parto não vivido ou busca por novos modelos.

Como é o caso do ator Márcio Garcia, um dos personagens do documentário, e sua mulher, Andréa Santa Rosa, que passou por três nascimentos diferentes, e os narra com a emoção e a autenticidade de uma mãe que encontrou um novo caminho.

No primeiro filho, foi induzida pela médica a agendar uma cesárea porque o cordão umbilical estava enrolado no pescoço do bebê, o que o filme coloca como a principal má indicação de cirurgia para parto. Andréa narra o tempo todo com os olhos cheios de lágrimas o quanto foi frustrante para ela estar amarrada na cama, não poder pegar o filho, não vê-lo imediatamente depois que nasceu. A fala dela ganha o reforço do depoimento do pai, que ilumina uma questão importante: os bebês são tratados como produtos de uma cadeia de nascimentos em série.

"Fica tranquilo, eu faço isso todo dia", diz a enfermeira para Márcio, enquanto banha rápida e brutalmente o recém-nascido, ao que ele responde: "Sim, você faz isso todo dia, mas ele nunca fez. E ele é único. E ele é meu."

Andréa e Márcio, como outros depoentes do filme, buscaram outros modelos de atendimento para parto. Sua segunda filha veio por parto normal hospitalar e o terceiro, parto domiciliar assistido por enfermeira obstétrica. "Eu não podia passar por essa vida sem a experiência de parir um filho", diz Andrea, emocionada para uma plateia em lágrimas.

O filme é inebriante e, em muitos momentos, difícil de digerir porque nos coloca frente aquilo que passamos como mães e, principalmente, que passaram nossos filhos no momento do parto. O que pode trazer à tona o desconforto de algumas verdades: não estamos bem assistidas em nosso país como mães e mulheres, e quem paga o preço somos nós e os bebês.

Um filme belo, que fala de amor, de vida, da necessidade de revermos esses paradigmas para que a mulher volte a ser respeitada como indivíduo, o bebê tenha seus direitos mínimos de segurança e amor atendidos e a sociedade como um todo tenha a chance de vivenciar uma nova forma de nascer. Assista a um trecho do filme clicando aqui.

Anne Rammi

Anne Rammi, artista plástica e mãe do Joaquim (3 anos) e do Tomás (1 ano). Experimentou com a chegada dos meninos a oportunidade de quebrar muitos paradigmas da maternidade contemporânea e relata suas experiências com fidelidade e uma peculiar (e muitas vezes polêmica) ironia. Escreve muito, fala muito, produz incessantemente, em especial sobre os temas do universo da maternidade crítica e consciente, como o parto humanizado, amamentação prolongada, criação por apego e em defesa de uma infância livre de consumismo, sendo personagem importante nos grupos ativistas da internet materna. Recentemente virou vegetariana e vive o dia a dia tentando adequar as ideologias às práticas, rumo a uma vida com foco na família, na sustentabilidade e na educação fora da escola. www.mamatraca.com.br

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