Infância

Sobre aquilo que não temos controle

Mamatraca

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  • Paola Saliby/UOL

    O fato é que não temos como blindar nossos filhos daquilo que não julgamos adequado

    O fato é que não temos como blindar nossos filhos daquilo que não julgamos adequado

De repente, Luísa começa a cantarolar:

– Estava à toa na vida, o meu amor me chamou pra ver a banda passar, cantando coisas de amor...

Eu, toda empolgada, comecei a cantar junto. Achei que ela conhecia a música por causa da "play list" aqui de casa. Adoramos MPB, e as meninas aprenderam a cantar Elis Regina, Milton Nascimento, Chico Buarque, Marisa Monte e por aí vai.

Mas Luísa achou estranho eu cantarolar com ela.

– Mãe, de onde você conhece essa música?

– Ué, filha, essa música se chama "A Banda". É uma composição muito famosa do Chico Buarque. De onde você conhece?

– É do "Carrossel", ué.

Ploft.

Com esse caso também descobri que desmascaramos um amigo nosso, que estava contando, todo orgulhoso, que a escola onde a filha dele estuda é maravilhosa. Entre os exemplos que ele gosta de dar, diz que a filha chega em casa cantando "A Banda".

Agora estou em dúvida se conto ou não para ele que sua garotinha de três anos aprendeu essa música na escola, sim, mas, provavelmente, com as amiguinhas que assistem à "Carrossel" e não na aula de música.

Agora onde eu queria chegar: minha filha não assiste à "Carrossel", porque não deixo (isso é assunto para outra coluna) e sequer tem CD da trilha dessa novela em casa. Mas ela sabe cantar todas as músicas, conhece em detalhes cada um dos personagens.

Quando as crianças são bem pequenas e ainda estão debaixo da nossa asa, é muito fácil ter controle sobre as informações que chegam a elas. Você pode selecionar os programas que elas vão assistir na TV, seleciona as amizades, oferece a melhor trilha sonora possível, oferece uma alimentação saudável e balanceada.

Mas chega um ponto em que o controle não está mais nas nossas mãos. E aí, meu amigo, resta sentar e chorar, brigar ou relaxar e se divertir um pouco. Com toda essa trilha musical de qualidade que oferecemos para as meninas, quais são aquelas que grudam na cabeça delas?

Os malditos refrões "eu quero tchu, eu quero tcha...", "gatinha assanhada, cê tá querendo o quê...", "Ai se eu te pego..." e por aí vai. Se todas fossem do nível de "A Banda" seria maravilhoso, mesmo que cantadas pelos atores de "Carrossel" e não pelo Chico Buarque.

A Luísa, que vai completar seis, só começou a trazer essas referências para casa depois de uns quatro anos. Mas ela tem uma irmã mais nova. E esperta. E esponja. E safada. Que aprende com a irmã mais velha, que, por sua vez, aprende na escola. E que também já sabe cantar todas essas "músicas chiclete". Inteiras. Músicas que nós nunca ouvimos aqui dentro de casa. E, como sabem que não gosto, fazem questão de cantar alto, rindo e rebolando ao mesmo tempo.

Outro dia, tive vontade de me esconder no aeroporto quando a Rafaela, que ainda nem três anos completou, começou a emendar bem alto uma sequência dessas, começando pela "gatinha assanhada".

O fato é que, definitivamente, não temos como blindar nossos filhos daquilo que não julgamos adequado para eles. Nem música nem comida nem informação. Eles vão sair da bolha mais cedo ou mais tarde. E resta a nós, pais, estarmos muito presentes, transmitir com muita clareza nossos valores, explicar o que não é certo e, de vez em quando, rir um pouco das situações que não são tão graves assim. Afinal, não conta pra ninguém, mas eu rebolei muita Gretchen quando era pequena.

Roberta Lippi

Roberta Lippi, jornalista, é mãe da Luísa (6 anos) e da Rafaela (3 anos). É uma das blogueiras mais antigas na área de maternidade e está sempre antenada nas discussões sobre educação e comportamento. Vive uma mistura de fases em casa, e rebola para conseguir não deixar cair nenhum pratinho. Sente que se tornou uma mãe muito melhor por causa da internet, lugar onde encontrou a informação de qualidade e a verdade que não achou nos livros e nos consultórios de pediatra. Prefere a linha do "equilíbrio", ou do "meio termo" na maioria das vezes, mas também sabe rodar a baiana quando acha que deve. www.mamatraca.com.br

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